sexta-feira, 14 de maio de 2010

O fim de uma Europa

Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo

A Europa salvou a Europa. Como se decidiu a isso? Ela viu que o incêndio iniciado na Grécia estava prestes a alcançar todo o continente, carbonizando de passagem a maravilha europeia, sua única glória, a moeda comum. E, diante do perigo, a Europa também agiu e derramou sobre as chamas 750 bilhões. Funcionou.


A Europa está salva, mas morta. Pelo menos a Europa tal como existiu desde o início da sua construção, em 9 de maio de 1950, há 60 anos.

Uma longa aventura chegou ao fim nestes dias negros de maio de 2010. O que resta desses 60 anos é uma União falida, Estados em debandada, ressentimentos dos países e das pessoas, nenhuma instituição comunitária legível, um Banco Central Europeu desonrado por sua cegueira e obrigado, a partir de agora, a se submeter aos Estados europeus.

Uma única Europa sobreviveu ao desastre. A Europa dos egoísmos. Cada país trabalhou em causa própria. Mesmo os seus gestos aparentemente generosos, se observarmos bem, o que indicam? O egoísmo nacional.

Exemplo: Alemanha e França, repentinamente unidas quando se viram à beira do precipício, colocaram a "mão no bolso" e deram à Grécia muitos bilhões de euros. Por que essa generosidade tardia? Para salvar a Grécia? Sim, claro, mas sobretudo para salvar os bancos estrangeiros que emprestaram loucamente muito dinheiro para esse país, dinheiro que essas instituições perderiam se os gregos pedissem falência.

Ora, e que bancos são esses que emprestaram para a Grécia e era preciso salvar? Bancos franceses e alemães, exatamente. Em outros termos, o generoso plano de salvamento da Grécia, patrocinado por França e Alemanha, foi também um plano para salvar bancos alemães e franceses.

Uma outra fraqueza da União Europeia: ela jamais teve líderes confiáveis. Durante esta crise, o silêncio dos responsáveis de Bruxelas foi impressionante. O pobre chefe da Comissão Europeia, o português José Manuel Barroso, à sua nulidade habitual acrescentou um outra qualidade: a ausência.

Por seu lado, o novo presidente da Europa, esse belga cujo nome é Herman van Rompuy e cuja figura é impossível de discernir, não disse uma palavra. Do lado do presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, silêncio! Somente os políticos se manifestaram.

Sobretudo Nicolas Sarkozy, que falou a respeito em todos os microfones que via e, pelo menos desta vez, falou bem. Foi ele quem sacudiu toda essa gente entorpecida e obrigou os dorminhocos a abrirem o olho.

Essa crise terá tido, pelo menos, o mérito de soar o alarme e esclarecer as falhas da construção europeia? A constatação mais simples é que foi estúpido impor uma mesma moeda a 16 países que são separados por tudo: força, hábitos, leis, necessidades. Como impor uma mesma moeda a um gigante racional e laborioso como a Alemanha e a um pigmeu irracional e frívolo como a Grécia? Um outro ponto fraco da União Europeia é a sua Constituição (ou seja, o Tratado de Maastricht e o Tratado de Lisboa), um edifício incoerente.

Por exemplo, o Tratado de Maastricht, que estabeleceu a criação do euro, proíbe aos outros países socorrerem um país enfermo. Se essa regra tivesse sido respeitada, Bruxelas assistiria friamente ao naufrágio da Grécia.

Assim, foi violando seus próprios estatutos, que a UE finalmente se resignou a partir em socorro dos gregos.

Mas a responsabilidade da Europa ou da zona do euro é ainda maior: não só o euro não se viu livre de todos os perigos, como foi ele próprio que gerou a enfermidade que quase acabou com a Grécia (e amanhã, talvez, Espanha, Portugal, Irlanda e até França). De que maneira? O euro, ao privar cada país da própria moeda, favoreceu a irresponsabilidade.

Antes, se a economia de um país fosse administrada de maneira absurda, a moeda nacional era atacada. Duas soluções então, eram possíveis: ou a situação era enfrentada com medidas draconianas para salvar essa moeda, ou então os governos procediam a uma desvalorização. Hoje, contudo, com o desaparecimento das moedas, a desvalorização é impossível. Por outro lado, por que um país cuidaria do seu equilíbrio monetário, orçamentário e financeiro já que, de qualquer maneira, não existe mais uma moeda nacional a defender? Foi portanto o euro, e também a UE, que favoreceu esse fabuloso descuido de quase todos os países europeus, exceto a Alemanha.

O pior é que ninguém tinha consciência disso. Foi preciso a crise explodir para descobrirmos a que ponto a existência do euro e também da UE aceleraram o desleixo com as regras contábeis mais elementares.

Hoje sabemos que, tendo como abrigo a vitrine reluzente que é a UE, a Europa tornou-se um "campo de ruínas".

A Grécia está deteriorada, claro. Mas os outros países não estão em situação muito melhor. Por toda a parte o que se descobre, com espanto, são dívidas monumentais, intoleráveis, déficits orçamentários insanos, estatísticas maquiladas, fraudadas. Compreende-se o mecanismo dessas condutas absurdas: os países se isentaram de qualquer responsabilidade, já que ela era comunitária e não mais nacional. O que o euro produziu foi uma gigantesca máquina de imprimir dinheiro. Invisível e infernal.

Nesse sentido, a crise da Grécia, seguida pela do euro, foi um teste saudável. Obriga os países-membros a abandonarem o terreno do imaginário para entrar no do real. Ontem ainda, antes do colapso da Grécia, os países viviam de créditos. O caso da França é exemplar: surgia uma enfermidade? O dr. Sarkozy chegava imediatamente com sua pequena maleta. Mas, dentro dela, o único remédio era este: empréstimos.

O caso da França não é único. A Inglaterra tem uma dívida vertiginosa. Espanha, Portugal, Itália, todos os países europeus ao abrigo do euro perderam o senso de realidade e se refugiaram numa economia imaginária. E agora a realidade chega a galope. Planos de austeridade ferozes surgem de todos os lados, em Madri, Roma, Londres, Paris, Bucareste.

Como agir de outro modo? Mas o preço será insuportável. Sabemos os efeitos desses planos de rigor: a produção vai estagnar, até recuar, o desemprego deve explodir. Talvez a inflação. E, como na Grécia, a população sairá às ruas.

Nesse sentido, podemos dizer que, 60 anos após seu nascimento, a Europa está morta. Ou melhor, "uma" Europa morreu. A "Europa paternalista", a velha carroça que soube apenas esmagar os Estados sob uma montanha de regulamentos.

Nada para agradar. Nenhum projeto. Nenhuma exaltação.

É esse o sintoma mais inquietante do "mal europeu": salvo no seu início - no término do massacre que foi a 2ª Guerra -, a Europa jamais foi o sonho dos povos. E, depois da crise atual, o desencanto é total. A Europa não faz mais ninguém sonhar.

Um jornal holandês propôs que a Holanda saia da zona do euro e crie uma pequena Europa, associando-se com o único país bem administrado do continente, a Suíça. A Alemanha sofreu com o euro mais do que desejava. A Inglaterra, que sempre detestou a moeda única, elegeu um primeiro-ministro eurocético. A França tem problemas demais com Sarkozy.

O tempo urge: se queremos que a crise da Grécia e do euro se limite a matar "uma Europa" e não "a Europa", é preciso agir rápido. Acabar com os desatinos que essa Europa azeda, burocrática, desconfiada, por tanto tempo nos impingiu. E inventar uma outra Europa, não irresponsável e imaginária, mas realista.

Realista? Sim, ou seja, uma Europa capaz de nos fazer sonhar. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

O AUTOR É CORRESPONDENTE EM PARIS

Nenhum comentário:

Postar um comentário